terça-feira, 2 de abril de 2013

A região


A fazenda localizada em território da extinta Vila Iguaçu no município de Nova Iguaçu que abriga doze patrimônios históricos culturais, dentre eles estão Fazenda São Bernardino; Estrada Real do Comercio e a Ferrovia Rio D’Ouro; estes três próximos ao bairro de Tinguá que faz parte da Unidade Regional do Governo do Tinguá, de caráter essencialmente rural, tendo uma população de em média 15.000 habitantes e como principal atrativo a reserva biológica do Tinguá ( REBIO) que é uma das maiores unidades de conservação da Mata Atlântica do Rio de Janeiro. Graças a reserva, o bairro conta com diversas ONG’s relacionados a proteção ambiental, ainda próximo a esta região estão o cemitério dos escravos, Ruínas do cemitérios Nossa senhora do Rosário datado de 1875, a torre sineira da igreja de Nossa Senhora da Piedade de 1699 e o cemitério dos escravos. Nova Iguaçu faz parte da Baixada Fluminense, região estigmatizada pela pobreza e violência, desta forma não sendo um lugar muito visado quando o assunto é turismo, porém que tem muito a oferecer a este setor. Entre os lugares mais lembrados pela sua população no âmbito do turismo, estão o Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu e a Fazenda São Bernardino, além do bairro de Tíngua. Para os moradores da Baixada se faz de extrema importância ter um patrimônio que ajude a contar a sua historia e tê-lo preservado é uma maneira de conservar a memória e identidade desse povo, além de, ser uma forma de incentivar economicamente a região através do turismo.

Ruínas da Fazenda São Bernardino

Torre Sineira

Ruínas do cemitério de Nossa Senhora do Rosário

Discussão teórica acerca da importância do Tombamento do poder público e da sociedade na conservação do patrimônio:


Segundo a constituição federal de 1988(2003) artigo 216, define patrimônio cultural brasileiro como: os bens materiais e imaterial, tomados individualmente, ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I. As formas de expressão
II. Os modos de criar, fazer e viver
III. As criações científicas, artísticas e tecnológicas
IV. As obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais
V. Os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Destacando se aqui o inciso V, devido ao objetivo do presente artigo, podemos observar que no caso da fazenda São Bernardino estamos diante de um conjunto arquitetônico com todos os requisitos para ser considerado e devidamente reconhecido como patrimônio.
E como não deveria ser diferente a fazenda conquistou seu título de patrimônio histórico em 1951, contudo esta medida não se mostrou suficiente para que o objetivo do tombamento fosse alcançado, visto que a fazenda, hoje em ruínas, sofre a ação do tempo e a depredação da ignorância humana.
É indiscutível a importância da conservação de manifestações culturais, pois através destas contaremos a história de um povo, tratam-se de testemunhos do passado que como no caso de muitos conjuntos urbanos poderão ser refuncionalizados e reintegrados ao cotidiano da sociedade, inúmeros casarões antigos passaram e passam por este processo, mas a questão que muito nos incomoda, quando diante das ruínas da fazenda é por que esta construção não pode fazer parte deste conjunto de edificações refuncionalizadas e desta forma, dentro dos limites da sua preservação, reiterada ao dia a dia da sociedade a que pertence.

“a História está inserida no Patrimônio e o Patrimônio é o testemunho da História”. BARRETO (2001 p. 103 in ARANHA 2004 )”

Em uma forma ineficiente de pensar patrimônio, que durante muitos anos chegou a ser a única, dando reconhecimento apenas a construções e demais manifestações expostas no inciso V, a política patrimonial mostra-se através de exemplos como a da fazenda uma política passível de ser repensada e reestruturada, afinal, além de por muitos anos não assistir à manifestações culturais de carater imaterial e ainda hoje não fornecer instrumentos suficientes para tal conservação, foi uma política elitista onde acabou por não dar a devida atenção a manifestações que não faziam parte do conjunto que viriam a favorecer os interesses de algumas classes.

“a limitação, durante mais de sessenta anos, dos instrumentos disponíveis de acautelamento teve como consequência a produção de uma compreensão restritiva do termo “preservação”, que costuma ser entendido exclusivamente como tombamento. Tal situação veio reforçar a ideia de que as políticas de patrimônio são intrinsecamente conservadoras e elitistas, uma vez que os critérios adotados para o tombamento terminam por privilegiar bens que referem os grupos sociais de tradição europeia, que no Brasil, são aqueles identificados com as classes dominantes.”FONSECA (2003,p.65)


O caso da fazenda é curioso ainda, por ela ser parte dessa cultura europeia que esteve presente na região, mas ainda assim não teve nenhuma atenção que viesse a intervir no processo de perda da memória que a construção era capaz de evocar. O estilo neoclássico da fazenda não evoca o principal discurso dos patrimônios tombados pelo IPHAN, logo talvez seja esta uma explicação pelo tratamento diferenciado recebido por este patrimônio, o que reforça ainda mais a ideia de políticas elitizadas que defendem o período colonial ou modernista, como defende GAGLIARD(2011) 


“o IPHAN parece ter construído um discurso, visível no imóveis tombados no Brasil, de que patrimônio no país são as manifestações do período colonial ou modernista. O que se encontra entre esses períodos não recebe o mesmo tratamento” GAGLIARD(2011, p.67)
Logo podemos perceber que como nos mostra FONSECA:
[...]instrumentos legais , como o tombamento, não são suficientes para assegurar que um bem venha a cumprir efetivamente sua função de patrimônio cultural em uma sociedade. É necessária uma constante atualização das políticas específicas, tanto mais se tais políticas desenvolvem-se num contexto democrático. FONSECA(2003,p.69); ou ainda como nos mostra MAIA (2003):
“Não se entenda por preservação apenas o ato do tombamento. Preservar é conservar a memória, portanto conceito genérico que dá ao Poder Público o direito de, conforme a legislação, exercer todas as atividades administrativas indispensáveis ao fomento de ações de preservação, sem ferir direitos individuais.” MAIA (2003)
Fica evidenciado que o papel das políticas, que precisam ser ampliadas e de fato aplicadas, é fundamental, pois será o meio legal de assegurar a manutenção da memória evocada por estes patrimônios, porém é necessário a participação da sociedade nesse processo de preservação onde MAIA (2003) defenderá ainda: “Ao poder público compete, através dos meios de comunicação, de exposição e cursos, sensibilizar a população para a importância do assunto. O direito a memória é garantido quando a comunidade toma consciência do seu papel fundamental de guardiã do próprio patrimônio [...]”MAIA (2003). Porém através das brechas e falhas, que permitem o total abandono de alguns bens, deixadas por estas políticas é que a sociedade é privada de uma educação patrimonial e então muitas vezes questiona o valor de bens abandonados e desassistidos por elas.
“[...]essa informação chega até a população, dado o abandono daquelas edificações e, portanto, consideradas por eles também se valor” GAGLIARD (2011,p.67); ou ainda:
“[...]os objetos, independentemente do seu valor material, têm um valor sentimental para determinadas comunidades e, à medida que estas comunidades ganham maior prestigio em relação as outras, se valorizam”. SANTOS,CHAGAS (2007)
Logo, vamos notar, também, que a preservação depende em grande parte da tomada de uma postura da sociedade, esta evocada apenas, pela sensação de pertencimento que será observada quando tal patrimônio é aceito e reconhecido pela sociedade como algo de real importância para a sua história, cultura ou ainda de grande importância econômica quando tal patrimônio é integrado a economia como, por exemplo, quando integrado ao potencial turístico local.
“[...]o Patrimônio Histórico é a verdadeira máquina do tempo, impregnado de cultura onde se embarca em busca das viagens mais fascinantes no tempo e em épocas diferentes. Sendo assim, falar de Patrimônio Histórico é, por si só, um tema apaixonante. Unir este tema ao turismo e ao lazer significa prenunciar múltiplas combinações que implicam possibilidades reais de melhorias na qualidade de vida das comunidades onde este patrimônio está inserido. Propicia, também, o resgate da importância de preservar os bens culturais e a memória seletiva.” ARANHA (2004).
Vista Frontal das ruínas da Fazenda São Bernardino

A fazenda para nossa história



Construída por volta de 1875 por Bernardino José de Souza e Mello, o conjunto arquitetônico constituído por casa grande, senzala e engenho foi um exemplo de construção em estilo neoclássico, localizada em território da Vila Iguaçu que chegou a ser considerada uma das mais prósperas da província do Rio de Janeiro. 
Tal patrimônio é um testemunho da história e parte da memória que remete a formação histórica da baixada fluminense na fase de comércio entre a corte e Minas Gerias, evoca a memória não só para região onde estão suas ruínas, mas é capaz de nos fazer conhecer uma época de desenvolvimento em que o país passava a mais de 100 anos atrás, a construção faz parte de uma época em que a região de Vila de Iguaçu já entrava em decadência e a escravidão caminhava para o fim, a mudança da sede do município para próximo a estrada de ferro D. Pedro II, a transferência da matriz paroquial para o arraial de Maxambomba (atual Nova Iguaçu), abolição dos escravos entre outros acontecimentos são marcos históricos para toda a Baixada até mesmo para o país e a fazenda esta inserida neste cenário, nesta memória. Atualmente em total estado de abandono corremos o risco de perder de esta herança histórica.
Ruínas da Fazenda São Bernardino -2013

Ruínas da Fazenda São Bernardino -2013

Ruínas da Fazenda São Bernardino-2013




A propriedade, um dos símbolos mais importantes do período vivido na região foi reconhecida primeiramente pelo prefeito Ricardo Xavier da Silveira ainda em 1940 como parte da identidade e da memória da região, este solicitou a preservação da fazenda através da carta enviada ao diretor do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Em 1951 a fazenda conquistou o título de patrimônio e o tombamento pelo SPHAN, sob o número de inscrição 390, do Processo 432-T, do Livro “Belas Artes”, às folhas 76, a propriedade então recebeu visita de historiadores e arquitetos que realizaram relatórios e levantamentos sobre o estado da fazenda.

Entre estes estão o relatório realizado pelos arquitetos Alex Nicolaeff e Fernando Abreu, do Instituto dos Arquitetos do Brasil:

“A fazenda compõe-se de uma Casa Grande construída sôbre um promontório que domina a região e de uma senzala, em nível inferior e junto à estrada de acesso que se extende (sic) até Tinguá. Na topografia local destaca‑se um renque de palmeiras que marcava a ligação entre êste conjunto e a estação da Estrada de Ferro.
Por tôda a parte sente‑se a decadência imposta pelo tempo e a falta de cuidados. No solar, em particular esta constatação é mais flagrante dada a riqueza anterior da qual só há vestígios. O casarão está perdido num imenso matagal que cobre o antigo jardim e a escadaria externa que arrematava a aléa de palmeiras imperiais com o platô elevado.
O rebôco externo apresenta falhas e remendos nas paredes, cornijas, frisas e pilastras, da pintura amarelada só restam manchas.
A escada dupla da entrada principal mantém o gradil e a forma original num estado razoável embora o pálio em fôlha de cobre e estrutura metálica esteja a exigir reparos.
As janelas, com fôlhas divididas por um rico desenho na vidraçaria colorida, conservam, na maioria, seu pleno funcionamento sendo muitos, porém, os vidros quebrados
No beiral de telhas de louça azul muitas fôlhas e complementações executadas de forma indevida alteram o aspecto original.
No telhado notam-se defeitos que resultam goteira, substituição de grande área por telhas francesas e cumieiras e rincões com grotescos remendos em parte cimentados.
Internamente a impressão de abandono se acentua com as goteiras provocando a destruição praticamente irrecuperável de grandes trechos do fôrro em fino trabalho de estuque estando igualmente em decomposição o madeiramento do mesmo.
O lanternim da escada interna está parcialmente destruído assim como o seu emolduramento interno de gêsso.
O piso em geral e a escada citada, executados em madeira, têm resistido ao tempo.
A parte estrutural da cobertura é o ponto que apresenta os maiores cuidados para a recuperação dessa obra, pois são inúmeras as peças totalmente tomadas pelo cupim.
O casarão é habitado pelo proprietário, o idoso italiano Jácomo Gavazzi que se queixa das coisas de um modo geral e do D.P.H.A.N. que não dá atenção à sua propriedade.
Conta que em certa ocasião armou‑se de espingarda para enfrentar tentativas de invasão nas recentes agitações na região de Tinguá.
O conjunto da antiga senzala sofreu uma decomposição equivalente, com adaptações para habitação de alguns poucos empregados”.